segunda-feira, 28 de maio de 2007

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sexta-feira, 11 de maio de 2007

O Menino Jesus


Já aquelas duas crianças ansiosamente faziam contas à vida, à espera do Natal, quando no Dia da Mãe – que nesse tempo era ainda o dia da Imaculada Conceição – ofereceu a mãe a cada um uma camisola. De gola alta – é preciso que se note - para estrear no baptizado do primito, feito nesse dia à pressa por causa de um mal que lhe deu e ele não podia morrer assim, pois a família o queria no céu e não no limbo, que é como quem diz lá naquele canto mais fundo do cemitério entre o muro e o primeiro cipreste.
Eram camisolas das boas, daquelas compradas na loja, quentinhas, aos quadrados vermelhos e amarelos ou verdes, talvez losangos, que então não sabiam os dois meninos a diferença. Nunca antes tinham tido nada assim.
Bom, mas camisolas eram camisolas, não eram prendas. Prendas haveria de lhes trazer o Menino Jesus na Noite de Natal. Isso é que era!
E o Natal chegou. Não tão breve quanto desejavam; mas chegou.
Couves e batatas com fartura. A acompanhar, à luz da candeia de azeite, uma postinha de bacalhau miúdo. Não se lembram se para os três, se uma para cada um, que Natal era Natal. E filhoses.
E, como tudo passava depressa, logo eram horas de deitar, que televisão não havia ainda ou ainda não sabiam o que era. Dormir? Qual dormir qual quê! Mas tinha de ser; se não fossem, como é que o Menino Jesus poderia vir trazer as prendas sem eles verem?
Foram; mas antes, arrumadinho o canto da lenha, alisada a cinza quentinha e arredadas as últimas brasas ainda ardentes, não fosse o Menino queimar-se, os meninos colocaram ali, bem limpinhos, dois sapatinhos, cada um pôs um único dos do par que tinha; escolheram o direito; pareceu-lhes melhor; as botas eram para a lama, não para as prendas.
Enquanto, acordando de noite, em cada vez um deles, à vez, ia espreitar a lareira e nada, a mãe rebolava-se sem sono na cama, sem uma solução para tanta ansiedade e receosa da decepção deles pela manhã, pensando também no marido tão longe naquela noite de natal, a ganhar para pagar dívidas, talvez que um dia também para brinquedos, dos melhores até. Hoje é que não tinha mais nada para lhes dar, que gastara o que tinha nas camisolas.
E fez-se dia, um dia de Inverno em que a realidade se apresentou tão crua aos dois meninos. Na rua uma manhã chuvosa; em casa dois sapatinhos vazios no canto de uma lareira apagada e fria.
Choraram; discutiram com a mãe; não era possível! Eram bons alunos na escola; não tinham pecados, nem sequer maus pensamentos; faziam boas acções. Não; não estavam convencidos; estavam tristes, magoados, feridos por dentro.
Este ano esperavam até uns carritos, talvez daqueles de lata ou de madeira pintada, que tinham visto uns num jornal que o pai tinha trazido de França quando cá esteve no verão; quiçá uma bola pequenina; quem sabe se um pião. Mais já eles calculavam que não. Mas... nada?!... Mesmo nada?!...
Foram à missa e pelo caminho de volta voltaram à conversa das prendas que lhes não trouxera o Menino. Eles e a mãe; a mãe acalmando; eles reclamando. Mas porquê?! Então o Menino Jesus, aquele do presépio, sorridente entre José e Maria, com a mãozinha no ar, nas palhinhas deitado, que nesse dia até tinham beijado na Igreja, não era o maior amigo das crianças, mais ainda das crianças pobres, um Menino que sabia tudo do que eles precisavam, que não esquecia ninguém, muito menos quem – como eles – O não esquecia nunca nas orações? O mais velho não ia até à catequese? Não tinha feito já a primeira comunhão e até mesmo o crisma? E não sabia ele tudo dos Reis Magos e de Salomão e da gruta e da casinha de Nazaré e as principais orações escritas no final do primeiro catecismo?
Enquanto foram, os sapatos ficaram, não fosse Ele aparecer. Podia ser… havia ainda uma esperança. Ficaram no mesmo sítio desde a noite anterior com os cordões desapertados para a prenda caber melhor. Talvez que o Menino tivesse tido tanto que fazer de noite que o tempo Lhe não tivesse chegado para aqueles dois meninos naquela aldeia tão distante. Chegaram e correram à cozinha quanto puderam mal a mãe abriu a porta. Mas nada; vazios.
Que tristeza a deles, que dor a da mãe, tão grande que se lembrou que talvez tivesse uma solução. E então correu para dentro de casa. Fechou-os a eles na rua; fechou-se a ela lá dentro. Noutras circunstâncias eles teriam estranhado; naquelas a desilusão era tanta, que já nem deram importância. Mas é verdade que não se desinteressaram de todo e bem viram que a mãe também não demorou a voltar e que entrou pela porta da cozinha e saiu agora pela porta da casa de fora, regressando aos gritos, sim voltando aos gritos:
- Olhem por cima da chaminé; no céu. Não vêem?
- O quê? – perguntaram ambos ao mesmo tempo.
- O Menino Jesus lá em cima; não vêem aquela nuvem?
- Não – disse um; mesmo nada – ajuntou o outro.
- Não vêem? Olhem bem. Não O vêem ainda sujo de cinza nas costas?
- Ah!... lá em cima, mas aquilo parece uma nuvem – atalhou desconfiado o pequenino.
“Sujo de cinza? Olá! Será que o Menino Jesus sempre veio cá e sujou-se na chaminé?” - pensou assim de repente o mais velho, sem ver nada, à mistura com uma nova esperança que o não deixou esperar mais.
Correu lá dentro, espreitou. Estavam lá; um em cada sapato; iguais. Como esperava; ele sabia que o Menino Jesus lhe não faltava: em cada sapato um embrulhozinho. Era muito pequenino, diga-se, mas estava lá.
- É uma bola. É uma bola?! Mas é tão pesada?! E uma para cada um?!... – gritava ele de emoção, não deixando, todavia, de ao mesmo tempo achar que "era muita fruta" o Menino Jesus vir à tarde, Ele que nunca corria o risco de ser visto e por isso sempre vinha de noite...
O papel - igualzinho a um que havia lá para trás de uma porta, que servira até de embrulho às camisolas novas, que nisso ele reparou - foi rasgado sofregamente; cada um sua prenda. Mais um rasgão e… “já está!”.
- Uma laranja! Uma laranja?!… - berrou, chorando, entre o espanto e a desilusão agora mais comedida, a querer perceber que nem sempre se tem o que se quer e tão pouco o que se merece.
- Uma laranja… - choramingou também o pequenino, não querendo saber de merecimentos, tristíssimo por uma prenda assim, mas segurando-a contra o peito.
- O quê?! Laranjas de umbigo? - perguntou também a mãe , associando-se aos meninos, querendo demonstrar surpresa e felicidade por ver que o Menino Jesus sempre viera e trouxera até laranjas das caras, que por ali nem as havia. Só o ti Zé Gil tinha uma laranjeira da baía e era lá para Garriapa, que era bem longe dali.
Mas a mãe chorava; viram os meninos muito bem e nunca mais o esqueceram, se bem que pouco preocupados então com isso e sem perceberem muito o choro. Nunca, não. Um dia acabaram por percebê-lo; quando o perceberam juraram então para si mesmos que o Menino Jesus deles - não Aquele de Quem se esperam as prendas mas Aquele que as dá - haveria sempre de distinguir que brinquedos são brinquedos, mais nada.